sábado, 30 de maio de 2009

PEQUENO ENSAIO SOBRE A LOUCURA QUE ENVOLVE A LUCIDEZ Sobre a necessidade da normalidade


O peso da minha loucura é a mediocridade da sua lucidez. Quanto mais você se fantasia e se maquia mais insano eu estarei no seu pensamento. Eu sou o seu alter-ego que você despreza e esconde valendo-se dos trapos sociais. Com todo seu empenho em me ser superior, você se pinta como o rei do famoso conto, e afirma que suas vestes são de um tecido raro o qual só os superiores podem ver com clareza. No entanto, quando lhe aponto pela rua e denuncio que estás nu, então seus lábios secam e seu estomago estremece gradativamente conforme reconhece essa realidade, sua segurança foi quebrada. Eu dispo a sua verdade e no final somos dois nus dialogando um monólogo mudo.

A nudez meu caro amigo, me é natural desde a infância, eu rio dela de braços dados com ela mesma, enquanto a própria se empenha em me fazer risível aos olhos de todos. Eu estou completamente à vontade na companhia dela, e uma vez que não preciso questiona-la, não vejo razões para não sermos amigas, até mesmo porque nos vemos ambas por inteiro, sem o nosso fraque social. É uma bela amizade devo confessar, sem cobranças, sem preocupações demasiadas, apenas o meu eu com o outro, em total pé de igualdade. A lúcida moralidade não nos impede de andar livremente pelos caminhos da nossa expressão.

Em contrapartida, a sua lucidez não te permite viver nada além da tua própria realidade nua. Ela te algema, te escraviza, te prostitui. Sob a vigilância dela, você não seria capaz nem mesmo de reconhecer que também te faltam roupas, tamanha a sua preocupação em permanecer coberto. E como se cobrir completamente em tempo integral exige um esforço constante, não te sobra vida para outras atividades que realmente sejam prazerosas como a liberdade. Que gigante ironia, companheiro, o mais sábio dos lúcidos alienado pela hipocrisia da sua lucidez. Como a mais baixa das meretrizes você se vende ao orgulho para sobreviver a si mesmo, enquanto a bela dama Lúcia te chicoteia como a um animal preso em seu cabresto.

Ridiculamente subjugado você engatinha sobre o lamaçal de falsas verdades criado esperançosamente para sujar os pelados. E se lambuza tanto que é impossível se auto-reconhecer, e devido a isso caro amigo, quando se vê refletido na espontaneidade de um despudorado, escandaliza-se e busca agredi-lo. O que você teme não é a minha honestidade, e sim a consciência que você toma sobre sua pobreza mental, enquanto inveja a liberdade fraternal que protege a minha nudez. E a compara com seus sacrifícios de rotular a todos para se esconder atrás daquilo que comumente seria a vergonha alheia.

No mais, mesmo me criticando pela imoralidade da minha alma, e apontando-me como um ser desprezível e vergonhoso, racionalmente eu não poderia te condenar. É deveras perturbador ter a visão de si, ainda mais quando comparado com o outro. E a dor de uma alma prostituída só tende a distorcer a moralidade e promover a miscigenação de conceitos contraditórios. Mesmo se pretendesse não seria capaz de auxiliá-lo, pois a imundície que está ao seu redor é tão grande que não podes enxergar nada além dela.

Ela é sua única verdade. Por isso quando muito, estimado amigo, és digno de compaixão e piedade para que não morras a mingua chafurdando em sua poça particular de injurias e difamações proferidas por sua língua insana.

A maior vantagem de se estar pelado é não ter bolsos para guardar rancores.

Em memória da professora Carmem, e de
todas as outras pessoas vivas e hipócritas,
que atropelaram-me pela vida, ao julgarem
minha forma de expressão como um crime
de loucura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário